A
mineração no Brasil colonial se estendeu basicamente de meados do
século XVII a meados do século XVIII, sendo Minas Gerais, Goiás e Mato
Grosso os principais centros de extração. Inicialmente, o ouro foi
encontrado na forma de aluvião, nos fundos e nas barrancas de rios. No
final do século XVII e início do XVIII, foram encontrados os primeiros
veios auríferos: Antônio Rodrigues Arzão descobriu as jazidas de Caetés,
em 1693, Pascoal Moreira Cabral em Cuiabá, em 1718 e Bartolomeu Bueno
da Silva Filho em Goiânia, em 1725. Dois tipos de exploradores se
destacam. O pequeno, com pouco investimento inicial e trabalho nômade,
usando equipamentos de baixo custo, como a bateia ou a peneira para a
catação ou
faiscação de pequenas peças. As
lavras
eram empresas maiores, usando o trabalho escravo em maior escala.
Diferente das jazidas da América Espanhola, que exigiam elevados
investimentos e técnicas, o ouro brasileiro era, como vimos, de aluvião,
resultado de longo processo de erosão natural de primitivas rochas
auríferas. Assim, na prática, qualquer pessoa podia se dedicar à
atividade, com baixo investimento e grande possibilidade de sucesso.
- O OURO, A FOME E O MERCADO INTERNO
Tanto
na faiscação como nas lavras, o trabalho era altamente especializado e
exigia dedicação exclusiva. Nos engenhos de açúcar, embora o trabalho
também seja especializado, havia a produção de alimentos e de outros
produtos na mesma fazenda, um latifúndio. O minerador não era, ao mesmo
tempo, produtor de alimentos e de quaisquer outros produtos além do
ouro. Por isso, a região mineradora tornou-se mercado consumidor de
várias mercadorias, dinamizando a economia e integrando várias regiões
do país. Pela primeira vez na História do Brasil, constituiu-se um
mercado interno, resolvendo ou amenizando graves crises de abastecimento
ocorridas entre 1697 e 1701 nas áreas mineradoras. Segundo um
estudioso,
“em 1698, o governador do Rio de Janeiro
informava à Coroa que a carência de mantimentos era tão crítica que
muitos mineiros tinham sido obrigados a abandonar suas jazidas de ouro e
estavam errando pelas matas com seus escravos em busca de caça, peixes,
frutas, a fim de se alimentarem.” (BOXER, C. R. A Idade
do Ouro no Brasil). Em poucos anos, a mineração transformou o
Centro-Oeste na Meca das atividades coloniais. Para lá fluíram escravos,
mantimentos, carne, artesãos, técnicos, aventureiros. Os antigos
centros litorâneos (Rio de Janeiro, Olinda, Salvador e outros) passaram a
sofrer a escassez de mercadorias, de alimentos e até de trabalhadores,
livres ou escravos.
- O OURO E A EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA
Uma
das maiores consequências da mineração foi o ecelerado crescimento
demográfico da população no Brasil, com a chegada de muitos portugueses e
muitos escravos. No século XVI, a população mal chegava aos 100.000
habitantes, chegando a 300.000 no século XVII, dos quais 200.000 eram
escravos. No século XVIII, com a mineração, atingiu 3.300.000, sendo
1.200.000 escravos. Índios não integrados ao sistema não são
contabilizados. Importante acrescentar o porcentual de escravos em
relação à população livre: no século XVII, constituíam 63% do total e,
no XVIII, apenas 36%. O que ocorreu foi a chegada de um enorme
contingente de portugueses. Segundo o historiador Boxer, já citado
anteriormente, três a quatro mil saíram anualmente da metrópole em
direção ao Brasil, especialmente para a região das minas. Para Portugal,
o fenômeno foi tão preocupante que, em 1720, o rei passou a controlar a
saída de portugueses. Um observador da época, contemporâneo desses
fatos, o jesuíta Antonil, publicou em 1711 um livro fundamental para se
entender o período,
Cultura e Opulência do Brasil, onde escreveu:
“A
sede insaciável do ouro estimulou a tantos deixarem suas terras e
meterem-se por caminhos tão ásperos como o das minas, que
dificultosamente se poderá dar conta do número de pessoas que atualmente
lá estão (...). Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão
brancos, pardos, pretos e muitos índios, de que os paulistas se servem.
A mistura é de toda condição de pessoas: homens e mulheres, moços e
velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e
religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil
convento ou casa.”
A longa distância entre o litoral e a região das minas era, penosamente, percorrida por dois caminhos principais, o
Caminho Geral do Sertão e o
Caminho do Rio São Francisco.
O primeiro saía de São Paulo, passava pelo vale do rio Paraíba e
chegava ao rio Grande, onde se bifurcava para o rio das Velhas e para o
rio Doce. Em 1700 (aproximadamente), surgiu o
Caminho Velho, ligando o Caminho Geral do Sertão ao porto de Parati, de onde se chegava ao Rio de Janeiro, por mar. Depois foi aberto o
Caminho Novo,
ligando por terra o Rio de Janeiro a Pindamonhangaba, de onde se rumava
ao Caminho Geral do Sertão. O segundo nascia no porto de Cachoeira, no
Recôncavo Baiano, percorria o vale do rio São Francisco até a região
mineradora. Acabou sendo o mais importante, devido à maior facilidade de
transpor obstáculos naturais. A topografia e a proximidade da água
tornou esse caminho o mais usado, pelo homem e pelo gado nordestino, em
direção às áreas mineradoras. Em relação ao Sul do Brasil, também
abriram-se caminhos, para o transporte de charque, de couro e do gado em
pé. Saíam das estâncias sulinas, passavam por Vacarias, chegavam a
Sorocaba, de onde seguiam para Minas Gerais, para Goiás e para Mato
Grosso.
Por
mais que a metrópole tentasse controlar a produção e a circulação do
ouro, sempre houve muito desvio do metal precioso. Agir dentro da lei
dependia muito da honestidade pessoal. Além disso, as poucas casas de
fundição eram distantes dos centros produtores e a circulação de moedas
era escassa. Assim, mineradores usavam o ouro para a compra de artigos
de sua necessidade, frades não pagavam impostos e estimulavam outros
habitantes a fazerem o mesmo. São famosos os
“Santos do Pau Oco”,
uma das muitas maneiras de lesar o fisco. Mercadores, tropeiros e
traficantes de escravos recebiam e pagavam em ouro não quintado. Boa
parte desse ouro chegava na África, levada por traficantes. Comandantes
de navios levavam ouro contrabandeado para Lisboa. Produtos ingleses
levavam mais uma parte ilegal do metal para Londres. Em outras palavras,
o contrabando de ouro uniu os dois lados do Atlântico, tanto quanto o
comércio lícito. Assim escreveu Antonil, em seu livro já citado:
“E
o pior é que a maior parte do ouro que se tira das minas passa em pó e
em moedas para reinos estranhos e a menor é a que fica em Portugal e nas
cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões (...) e outros
brincos, dos quais se vêem carregadas as mulatas de mau viver e as
negras, muito mais que as senhoras.”
- O OURO E O EMBRIÃO DA CLASSE MÉDIA
A
economia açucareira não permitiu a formação de uma classe intermediária
entre o explorador senhor de engenho e o explorado escravo. Na
mineração, caiu brutalmente a porcentagem de escravos; embora seu número
absoluto tenha crescido, o número de trabalhadores livres cresceu muito
mais. O surgimento do mercado interno, a urbanização do interior e a
alta especialização do trabalho minerador forjaram uma nova classe,
composta por pessoas que chegaram a atingir 30% da população. Essa
classe média, nascida na mineração, passou por crises de retração e de
expansão, acompanhando a economia, vindo a se consolidar nos fins do
século XIX.
- O OURO E A ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA
Para
Portugal, administrar significava fiscalizar. A legislação sobre a
mineração era minuciosa e opressora. Um órgão foi criado em 1702, a
Intendência das Minas, responsável, entre outras coisas, pela distribuição das
datas em regiões auríferas. Em 1720, foram criadas as
Casas de Fundição,
para transformar o ouro em barras e cobrar impostos, principalmente o
quinto, numa tentativa de eliminar o contrabando de ouro em pó e em
pepitas, proibido de circular. Além do quinto (20%), havia a finta
(cobrança fixa em ouro) e a capitação (cobrança por cabeça de escravo).
Em 1750, em plena decadência da produção devido ao esgotamento das
minas, foi extinta a capitação, mas fixado um tributo mínimo de 100
arrobas anuais por região, ou seja, um imposto de
uma tonelada e meia em ouro. Caso tal quantia não fosse atingida, o rei poderia decretas a
derrama,
cobrança de impostos em atraso, que previa, inclusive, o confisco de
bens dos devedores pela Coroa. Por outro lado, o eixo econômico e
demográfico se transferia do Nordeste açucareiro decadente para o
Centro-Sul em expansão. Soma-se a isso que as hostilidades entre
portugueses e espanhóis no Sul do Brasil, envolvendo as disputas pelos
Sete Povos das Missões e pela Colônia do Sacramento. Por isso, a capital
do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.
Naqueles anos, a administração portuguesa tinha D. José I como rei e seu
ministro, Pombal. Aplicava-se em Portugal e em suas colônias o
racionalismo proposto pelo iluminismo, embora o Estado continuasse a ser
absolutista. Era o chamado Despotismo Esclarecido.
- O OURO E A PRODUÇÃO CULTURAL
A
mineração proporcionou a formação de uma elite branca rica e letrada.
Muitos filhos dessas famílias abastadas foram estudar na Europa,
principalmente nas universidades de Coimbra e de Montpellier. Assim,
estudantes brasileiros ou luso-brasileiros tiveram contato direto com o
fervor das idéias iluministas, fundadas na razão, críticas do Antigo
Regime. Para a massa negra, escrava ou alforriada, para mulatos e para
brancos pobres, poucas alternativas culturais restavam. Podiam
frequentar as confrarias ou irmandades, associações voluntárias que
assumiram o trabalho social de fundo caritativo, como o hospitalar, o
educativo e até o lazer. As confrarias organizavam e custeavam as
procissões religiosas, consideradas pelos pesquisadores como o
divertimento favorito da população local. Para o estudioso Boxer, em
livro já citado, o profano e o sagrado se misturavam nessas
manifestações:
“alegremente revestidas, ricamente decoradas,
com seus mascarados, músicos, dançarinos, serviam às necessidades
sociais (...). Oferecem a única oportunidade em que todas as classes se
misturam em termos de igualdade aproximativa”. As
irmandades tiveram ainda papel relevante nas obras arquitetônicas
barrocas, principalmente na construção de igrejas. Nascido na Europa da
Contrarreforma, o Barroco associava poder, religião católica e riqueza, o
que não faltava no período da mineração. Na arquitetura e na escultura
barrocas brasileiras, destacou-se Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho. Suas obras mais conhecidas estão em Congonhas do Campo e
Ouro Preto. Na literatura produzida na época da mineração, salienta-se o
Arcadismo, com obras de Cláudio Manuel da Costa e de Thomas Antônio
Gonzaga, entre outras.
- O OURO E A DEPENDÊNCIA PORTUGUESA
Desde
a União Ibérica (1580 a 1640) e das lutas pela Restauração do Trono,
Portugal vinha caindo na dependência em relação à Inglaterra (procure a
publicação desse assunto neste blog). Em 1703, Portugal e Inglaterra
assinaram o
Tratado de Methuen, mais conhecido por
Tratados dos Panos e Vinhos, que consolidou a dependência lusa. A
entrada de manufaturas inglesas a baixos preços e com tarifas aduaneiras
também baixas matou as manufaturas portuguesas. Enquanto isso, o
enriquecimento de colonos brasileiros, graças à mineração, fez aumentar o
consumo de manufaturas e até de produtos de luxo. O desequilíbrio da
balança comercial portuguesa era pago com o ouro brasileiro. Enquanto
Portugal ancorava-se nos dogmas mercantilistas do capitalismo comercial,
a Grã Bretanha acumulava suficiente capital para a passagem da
manufatura para a maquinofatura, da oficina doméstica para a fábrica,
para o capitalismo industrial.
- O OURO, REVOLTAS DE ESCRAVOS E QUILOMBOS
A
escravidão em si já é uma violência. Essa não é apenas uma visão nossa,
do século XXI. É, acima de tudo, uma visão de quem era, na época,
escravizado. A tal violência soma-se a grave fome sofrida por todos os
envolvidos no processo do início da mineração, nos finais do século XVII
e início do XVIII. Pela lógica do sistema escravocrata, quem mais
sofria era, evidentemente, o escravo. Diz a sabedoria popular que
“onde há fome, não há lei”.
Muitos escravos agiram individualmente contra a situação de penúria e
passaram a roubar e a matar por comida. Porém, muitos se rebelaram
coletivamente, fugindo e formando inúmeros quilombos, como o do Campo
Grande, que chegou a abrigar mais de 15.000 pessoas.
- O OURO E AS REVOLTAS COLONIAIS
Em
futura publicação trataremos de revoltas ligadas à mineração e
ocorridas em Minas Gerais, como a Guerra dos Emboabas (1708/1709), a
Revolta de Vila Rica, a de Felipe dos Santos (1720) e a Inconfidência
Mineira (1789). Por enquanto, falaremos um pouco da
Guerra dos Mascates, ocorrida em Pernambuco, entre 1709 e 1710.
- O
que uma revolta em Pernambuco, entre Olinda e Recife, tem a ver com a
mineração, cujos centros produtores estavam, como vimos, em Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás?
O
essencial da resposta a esta pergunta encontra-se nesta mesma
publicação. Peço que tentem a resposta e mandem pelos comentários.
Prometo analisar e dar meu comentário para as respostas enviadas.
- UMA VISÃO MARXISTA DA MINERAÇÃO
Segundo Karl Marx, num sistema de produção,
o importante não é o que se produz, mas como se produz.
No caso do Brasil colonial, as exportações de açúcar totalizaram
£300.000.000 (trezentos milhões de libras) e a de ouro apenas
£150.000.000 (cento e cinquenta milhões de libras). Se o sistema
dependesse apenas do total exportado, o açúcar teria sido muito mais
importante nas transformações qualitativas na colônia. Contudo, as
transformações proporcionadas pela mineração foram muito mais marcantes,
quantitativa e qualitativamente, mudando a economia, a sociedade, a
política, a geografia do território brasileiro, a ideologia.
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